quarta-feira, 30 de maio de 2007

m_ágoa

"water and stone" de scott kuehn

lancei água ao rio
um fio de mágoa salgada

duma gota parte ínfima
na foz somada ao mar
íntima

aguadeiro de salinas
recolhi o fio de água

trepei o sal em pilhas
devolvi a água doce à ria
em vapor e borriço

sobrou-me a mágoa

Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 28 de maio de 2007

in_definições


"mind as a sea" de pihua hsu

O que é o ar?
Não sei bem...
Só sei...

O que é o vento?
Não sei bem...
...
O que é o aroma?
...
... sinto.

Quando te abeiras...

sexta-feira, 25 de maio de 2007

baga_telas


"a woman holding a fruit" de paul gauguin

O nome?
Taiana!
A que teme os espíritos da noite.

És, aqui, ser e ter.
És, aqui, cor e oferta.
Não és tempo.
Estás!

Corpo de formas delineadas a negro.
Corpo tropical e sincero.
Corpo real e primitivo.

Nativa paixão.
Em boémia de cores viva!
Vermelhos, verdes, violetas!
Chapadas de amarelo simples.
Cores sem gradação.

Onde vais?

Que interessa para onde
se numa das cabanas,
Taiana,
ao fundo,
sob o colmo fresco,
os frutos dados não temem os espíritos
duma noite... a sós...

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 23 de maio de 2007

da des_esperança


"leaning poppies"
oskar koller


Arrefeço!
Fevereiro em Maio?

Frio, flor?

Há dias, o Sol afiançou-me
que as neves se fundiram
nos flancos da montanha.

Imaginavam-se eternas...

Acreditei nele!


Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 21 de maio de 2007

mareia


"remorse or the sphinx embebed in the sand"
salvador dali


mareia

é o espaço onde
a onda morre e a areia continua

mareia
é o espaço onde
se demora a areia húmida e dura

mareia
é o espaço onde
calcorreio contigo a sensação nua
de sermos seres vivos e descalços

mareia
é o espaço onde
somos náufragos dados à costa
expulsos da nossa terra dorida


Mareia (s.f. mar+areia) é uma palavra aglutinada.
Espaço onde morre a onda e sobrevive a areia molhada.
[Verbete para uma entrada no léxico (im)próprio do Português.
Palavra minha, nascida já no século XXI, a 13 de Março de 2006,
às 12 horas e 12 minutos].


Daniel Sant'Iago

sexta-feira, 18 de maio de 2007

baga_telas





num gume

de uma duna
soprou uma brisa

na face lisa
moldou-se o cotorno
dum corpo que prolongo

na face ondulada

abriga-se a caruma
de um forno de lenha

brasido de um tronco

que me queima e perfuma
na oferta duma madrugada
na duna morna dum deserto

o meu

Daniel Sant'Iago


"wind patterns in the sand" de bill hatcher

terça-feira, 15 de maio de 2007

??{o}??

"antropofagia" de tarsila do amaral

para que
quero tanto o pouco que me falta
se
possuo tão pouco o muito que já tenho
?


Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 14 de maio de 2007

saudades


"in contempt of our love"
leo evans


corroído pelas saudades
magoei-me com sorrisos
nos espinhos de aromas

coexistência de inconciliáveis

prazer no sofrimento
passado e futuro
nós num corpo
povo a sós

antónimos de iguais
opostos de sinónimos


Daniel Sant'Iago

sábado, 12 de maio de 2007

baga_telas


"david" (pormenor)
miguel ângelo

O olhar fulmina um alvo no horizonte.
Cercam-no olheiras fundas e vincadas.
Narinas dilatadas fremem vendavais.
Lábios grossos em rosto gelado.

Os cabelos rolam revoltos.
A fronte avoluma-se.
Os dentes cerram-se.
A ira urra.

Era um pedregulho.
Bruto e tosco.

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 9 de maio de 2007

in_decisão


"reclining nude in green"
egon schiele


não recebo quando
me dás

só recebo quando percebo que
te dás


mas

pode acontecer que
te dês

e eu não perceba que
te dás


decidi
agora mesmo

receber
tudo o que
me dês

mesmo que perceba
que
tu não estás


Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 7 de maio de 2007

touché_e


"lovers in the red sky" (moma sf)
marc chagall



Hoje
Sou eu que te esmago

Entre ondas e areias
Num ballet de vagas nuas
Em páginas de livros para ler
Em pautas de melodia a cantar
Por luas de espumas sob marés

As palavras são pele de teclas
Em solo de piano a quatro mãos
Melodia
De
mel e dia cantada à desgarrada
Nos corpos que tremem e endurecem
Quando pairam no ar as reticências
Feitas de nada em essência de tudo

Olho-me nos olhos e desfolheio-te
Livro

À procura da alma que reencontras
No índice do teu corpo que soletro
Só letras de folhas tão in_quietas

Mordisco os lábios cinzelados a lume
Molhas línguas num instante de nudez
Dedilho a página das páginas vermelha
Infinito de um instante que se desfez
Para ser sempre a última primeira vez

serena adormeces
sobre o éden
que ao longe transparece

restam as mãos laçadas nos dedos
nós de beijos sorvidos das vagas
que murmuram


Esta noite fui
tua
leitura!

Daniel Sant'Iago

sábado, 5 de maio de 2007

baga_telas


"david" de miguel ângelo (pormenor)

Entre ossos de pedra afloram veias de mármore
sob a pele
cheia de uma mão que verga e agride.

o escultor
miguel
do modelo
david

e um cinzel o elo

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 2 de maio de 2007

esta noite



esta noite
encharcou-se em água doce

nesta noite
derramou-se sumo agridoce

esta noite
ensopou-nos as roupas de chuva

nesta noite
desatou-se o atilho ao atado

esta noite
esgotou-se numa madrugada nua

esta noite
não adormeceu nem acordou

Daniel Sant'Iago