sábado, 27 de maio de 2006

ossos ou caroços ou vice-versa


eugenio recuenco

Ele:
Três anos e uns pós. Dez réis de gente com
quatro palmos
e uma língua de trapos esfarrapada.
Ela:
Sessenta e tais e com flocos de neve eterna
nos
cabelos. Uma língua numa fértil imaginação.

Ele:
Saltou para os bicos dos ténis. Puxou pelo poial
de mármore que cedeu às pontas dos dedos. Num
alguidar
amarelo de plástico, boiavam a fruta
da sobremesa e as
pontas do queixo e do
arrebitado nariz.

Ela:
Trinchava, para o jantar, o frango assado de comer
à mão,
junto ao puto e às cerejas e às ginjas.
Suava do calor
do fogão e das infindas
perguntas do neto.


- Ó avó, as cerejas têm ossos, não é?
- Não, fofo. As cerejas têm caroços.

- Ó avó, o frango tem caroços, não é?
- Não, fofo. O frango tem ossos.

- Não, avó! As cerejas têm ossos e o frango tem caroços!
- Está bem, fofo... Mas só hoje... até ires para a cama.

Ele... sorriu malandreco.
- Já te enganei, avó...
- Pois já...
Sorriu babada...
ela.

(...)

Ela:
- Era uma vez um frango que tinha caroços no papo...
Ele:
- Pois era... Os caroços das cerejas do jantar...

Eu:
Vi a ternura crescer com a lua.

daniel

2 comentários:

Miriam5 disse...

Lindo este diálogo, como é bom relembrarmos os avós do nosso universo de infância

Unknown disse...

Obrigado, "miriam5"!
Esses avós e os que hoje andam por aí...

daniel