segunda-feira, 30 de outubro de 2006

maria


"la femme de l'amour" de francis picabia

era
maria dos santos
somente

Maria é mãe de Pedrinho.
Do menino pobre, ferrado e diferente.
Pedrinho é fruto parido de semente acolhida entre quentes.
E Maria foi mãe.
Silva, Maria dos Santos... também.

maria será
sempre a mãe de pedrinho ferrado por um raio de luar
em quarto crescente

amou muito e sempre
por isso é mãe de um menino diferente

daniel

domingo, 29 de outubro de 2006

aos domingos - 29 de outubro


stone fountain

pedra

Segredou-me o fio de água:
- Dá-me tempo e serei mais duro que o granito
que me acolhe e
onde te sentas!
Na serra. À merenda. Neste Outono... tão morno!

Como se eu não fosse um fio de água a aspirar por
mais tempo para ferir os meus granitos...

daniel

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

pedro












"geopoliticus child" de salvador dalí

pedro é o nome próprio

santos silva são os apelidos da família
santos da mãe
silva do pai

pedrinho é nome próprio de menino
pedrinho é o nome do próprio
pedrinho é
silva, pedro santos



Pedrinho é menino e pobre. Parido em barraca de madeira.


Mas Pedrinho é diferente.
Tem um sinal mais moreno. Cinzelado, na noite negra
do nascimento. Por um raio de luar, nascido num
orifício. Talhado por pica-pau no telhado do
barraco.
Coberto de contraplacado.

Nas costas da mão esquerda foi ferrado.
A lua em quarto crescente.

Pedrinho é um menino.
Pobre.
Ferrado.
Diferente.

daniel

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

trilhos cruéis


"sem título" de armanda passos

trilhos retalhados por cicatrizes na fronteira de actos extremados
medeiam e sacralizam absurdos sentimentos selvagens

são culpas de Medeia
sacerdotisa de gelo assassina cruel dos filhos de linho fino num desgrenhado acto premeditado para vingança servida por neves eternas

daniel

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

as palavras que eu sou


"book transforming itself into a nude woman"
salvador dalí


as páginas do meu livro
sobrevoam as árvores nuas

num outono
de torturas que o inverno cobre
de manchas
da tinta dos rolos
que me trituram o corpo
impresso aos pedaços

as
palavras que eu sou

daniel

domingo, 22 de outubro de 2006

aos domingos - 22 de outubro


"head" de tony bevan

um ponto

... não me refiro a qualquer sinal...
... nem tão pouco a qualquer sábia figura
escondida pelos bastidores...
... este ponto mora num beco do bairro do
cérebro, mesmo no
entroncamento de duas
avenidas... a dos olhares com a dos
ouvidos.

Um ponto de gemidos e de
gritos!

daniel

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

dois professores


"intimité - un couple dans un intérieur" de françois vallotton

Professor de quadro de zona pedagógica.
Beja.
35 anos.
Dá a última aula a correr...
6ª. 5 da tarde.
Até 2ª! Às 8 da manhã!

Voa-lhe o desejo pela IP2...
1 bica e 1 queque, por favor!
Prego a fundo que se faz tarde... muito cedo!

Professora de quadro de escola. Numa aldeia.
37 de idade. 5 da tarde. 6ª.

Ele acabou a última aula... Só mais 2 horas!
Meninos! Banho! Jantar! O pai está a chegar!

Alto... a Guarda! Em casa!
Estaciona devagar... olha que as jantes roçam
no passeio. Uma chave e a porta. Que alvoroço!

Parti um vidro na escola...
Caiu a cabeça à boneca!

Jantar! Os desenhos animados são para amanhã de manhã!
Ó-ó!


Na mesa... uma vela acesa!
Na cama... a luz dum raio e o eco dum trovão!

2ª. 5 da manhã. Outra semana...
Ele beija! Ela aguarda!

Bom dia! Hoje, no fim da aula, gostaria que
soubessem
com que suor é amassado o pão...
deste vosso professor.

E, na 6ª, às 5 da tarde...
No mês seguinte...
Durante um ano...

Para o próximo... logo se verá!


daniel

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

mais um dia


contemplation

teri rosario


ouvi
rir e sorri
ler e escolhi
confessar e perdoei

calei

escuto o silêncio fala

hoje é mais um
dia que passa
mais perto de ti

passo a passo


daniel

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

eu remo


ocean blue
kenny primmer


tanto mar
tanto amar

sulcos

de remos
sobre dentro

a remar a remar a remar


velas
de mastro

brancas febril

a remar a remar a remar

leme

à ré
firme

a remar a remar a remar


âncora
de espuma
presa ao fundo

sem remar
no teu mar

daniel

domingo, 15 de outubro de 2006

aos domingos - 15 de outubro


"landscape near figueras" (1910)
salvador dalí


salvador dalí


"Não tenham medo da perfeição. É impossível atingi-la!"

Não tenho medo de Deus...
E gosto de loucuras...

daniel

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

sonhos por cumprir


"rainbow, sun, rain" (child art painting)

Numa mão... a mão da mãe.
Na outra... um papel amarrotado.
Um desenho!

Em baixo, ao fundo, meio palmo de verde.
Totalmente verde!
A Terra!

No quarto superior direito, ao centro, um círculo.
Tremido, com raios amarelos todos tortos.
O Sol!

No canto superior esquerdo, tantos riscos.
De todas as cores da colecção dos marcadores...
O Arco-íris!

Um arco-íris sem chuva?
Este só precisa de sol!

Sobre a Terra verde um arco-íris, sem chuva,
espelho do Sol e dos olhos do menino.

daniel

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

pretérito imperfeito


foto de virgiliu narcis

queria abraçar o sol com asas de ícaro
queria abarcar o mar com mãos de areia

tempo passado

em sonhos desfeitos
de suspiros
soprados

tempo incompleto
dum passado sem nada de errado
com saudades dum futuro inteiro

pretérito não acabado
de passado não perfeito

daniel

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

dos verbos


"idílio" de francis picabia

sou tua
vem

fui
do verbo ir
vim
do verbo vir

foste
do verbo ser
o verbo amar
em todos os tempos
de qualquer modo
a minha puta

daniel

domingo, 8 de outubro de 2006

aos domingos - 8 de outubro


"honey is sweeter than blood"
salvador dalí

coisas

... garantia-me um filósofo grego
ou um político germânico que...

"Todos vivemos debaixo do mesmo céu...
mas nem todos temos o mesmo horizonte."

Mas...
... será o meu céu o mesmo que o teu?
... será o teu horizonte diferente do meu?
Não é, pois não?
Não faremos parte de todos...
Seremos um todo em duas partes.

Ou apenas uns trocos
num jogo de trocadilhos?

daniel

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

da esperança


" unsatisfied desires" de salvador dalí

desnudei o céu
o meu e o teu
era o nosso

despi o horizonte
o meu e o teu
era o mesmo

da nau das vagas
um mumúrio de nome
o meu
ecoou na areia
ao fim da tarde
pelo trilho dum sol
vermelho de prata

tarda pouco
a quem muito aguarda

daniel

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

gemi teu nome



sob o arvoredo do pinhal do rei
frente ao mar de são pedro

enleei-me num abraço
a um pinheiro manso
prostrado do sol
ulcerado do sal
sulcado do pó

rente
outro pinheiro
resistia de pé
não por ser bravo
mas porque um pinheiro

de mansinho
se deitara primeiro

no pinhal dum rei
escravo de abraço
gemi teu nome

daniel

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

sonho com febre de lírios

"el sueño", salvador dalí

40,tal graus de febre

brasas e pânico
delírios de lírios-fétidos
odor quente de carne esmagada

doamos sempre as noites a quem amamos
em sono profundo
na fadiga dum mal dormir
por dor ou amor
dos outros
de nós próprios

40º,tal graus delirantes

amar-te-ei como ainda não sabes
se te convenceste de que as mãos não dizem
nunca amaste
só remexeste e mal

40,tal graus de lírios-d'água

já devo ter dito muito
tudo
não me importo de continuar a ser
embrulho

40,tal graus de suor
sinto-me molhado

daniel