segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
colirium para 2008
*
de olhos vermelhos
lágrimas tintas
morto de sal
o mar
de olhos verdes
lágrimas azuis
atol das maldivas
amar
duas gotas em cada olhar
medicamento genérico
Daniel Sant'Iago
* "eye of the beholder" de dale kennington
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
a todos... a minha prenda de natal
"le grand sapin" de paul cézanne
Para ti.
Eu conto.
O MEU PINHEIRO-MANSO
Domingo.
De Março.
Meio do dia.
Chega da missa com as costas da mão direita
alapada aos rins.
E um saco de plástico amarrotado, seguro pelas asas.
Bate as botas no tapete da entrada.
Salta-lhe o pó e um grito:
- Malditas cruzes!
(que cruzes, avô, que cruzes?)
- Aqui… não nas vês?
Não.
Mas hoje sei.
Porque as sinto embora ainda as não veja.
Cruzes, canhoto!
Após o almoço de sopa, pega pelas asas o tal saco.
De plástico.
Ainda e todo amarrotado.
A sachola c(r)avada no ombro.
E sai:
- Já te chamo.
Mais pela tardinha, a senha ressoa pela encosta,
vinda da várzea, junto ao ribeiro:
- Já não falta cá ninguém!
- Lá vou, meu avô, lá vou! – a contra-senha pelo
caminho inverso.
O carreiro da fazenda ziguezagueia sob os meus pés.
- Pega!
Passa-me das suas mãos de calos para a ternura
das minhas o cabo nodoso da sachola.
- Cava aqui um buraco do tamanho dum palmo dos meus.
E aponta com a bota.
Olho.
Meço.
Cinco vezes o meu palminho.
Umas sacholadas na terra negra de estrume.
- Chega. Abre este saco de plástico.
- Um pinheiro, avô!
Reconheço a planta na palma da minha mão.
- Comprei-o ao Ti Adelino, hoje, ao sair da missa.
Planta-o.
Encosto a sachola às cepas de quatro videiras
acabadas de arrancar. Frescas. Húmidas.
Bem no centro, aconchego de terra o pinheiro
como quem puxa o cobertor de papa sobre o corpo
dum filho.
Para que não tenha frio.
E durma sereno.
- Este é o teu pinheiro-manso. Não o cures.
Cuida dele como aos teus.
Até aos netos dos teus netos.
E, desde então, o meu pinheiro-manso cresceu comigo.
Segurei-o a uma estaca.
Podei-o.
Resguardei-o da ventania.
Reguei-o.
Vi da flor a pinha.
Trinquei da pinha o pinhão.
Assado pelo forno do Sol.
(vai, daniel! aguento-me já de pé.
não me cures. cuida-me!)
Entre ramos, construí cabana de paus e baraços.
Entrelaçados entre nós lassos.
E fumei o primeiro cigarro proibido.
E li o primeiro livro proibido.
E o primeiro amor proibido.
E a primeira vez clandestina.
sobre cama de carumas
catei pinhões e fiz o pino
gritei palavrões e cantei hinos
O meu pinheiro-manso será o mais velho.
De outros pinheiros-mansos.
Os dos meus filhos e os dos meus netos.
naquela várzea de vinha velha
junto ao ribeiro
na fazenda do meu avô
lá bem ao fundo
duma árvore nasceu um bosque
Ao meio do dia.
De um março.
Era Domingo.
Foi Natal.
.................................................
Nos natais, renasço!
Nas passagens de ano, acorrento-me à Esperança!
Deixo-vos, feito menino jesus de minha mãe,
a cada um e a cada uma de vós,
um punhado de pinhões torrados
em forno de sol.
Das pinhas do meu pinheiro-manso!
Daniel Sant'Iago
domingo, 23 de dezembro de 2007
o meu pinheiro manso - III
"le grand sapin" de paul cézanne
(... Abre este saco de plástico.)
- Um pinheiro, avô!
Reconheço a planta na palma da minha mão.
- Comprei ao Ti Adelino, hoje, ao sair da missa.
Planta-o.
Encosto a sachola às cepas de quatro videiras
acabadas de arrancar. Frescas. Húmidas.
Bem no centro, aconchego de terra o pinheiro
como quem puxa o cobertor de papa sobre o corpo
dum filho.
Para que não tenha frio.
E durma sereno.
- Este é o teu pinheiro-manso. Não o cures.
Cuida dele como aos teus.
Até aos netos dos teus netos.
E, desde então, o meu pinheiro-manso cresceu comigo.
Segurei-o a uma estaca.
Podei-o.
Resguardei-o da ventania.
Reguei-o.
Vi da flor a pinha.
Trinquei da pinha o pinhão.
Assado pelo forno do Sol.
(vai, daniel! aguento-me já de pé.
não me cures. cuida-me!)
Entre ramos, construí cabana de paus e baraços.
Entrelaçados entre nós lassos.
E fumei o primeiro cigarro proibido.
E li o primeiro livro proibido.
E o primeiro amor proibido.
E a primeira vez clandestina.
sobre cama de carumas
catei pinhões e fiz o pino
gritei palavrões e cantei hinos
O meu pinheiro-manso será o mais velho.
De outros pinheiros-mansos.
Os dos meus filhos e os dos meus netos.
naquela várzea de vinha velha
junto ao ribeiro
na fazenda do meu avô
lá bem ao fundo
duma árvore nasceu um bosque
Meio do dia.
De Março.
Domingo.
Daniel Sant'Iago
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
o meu pinheiro manso - II
"roads IV" de stacy dynan
(- Já te chamo.)
Mais pela tardinha, a senha ressoa pela encosta,
vinda da várzea, junto ao ribeiro:
- Já não falta cá ninguém!
- Lá vou, meu avô, lá vou! – a contra-senha pelo
caminho inverso.
O carreiro da fazenda ziguezagueia sob os meus pés.
- Pega!
Passa-me das suas mãos de calos para a ternura
das minhas o cabo nodoso da sachola.
- Cava aqui um buraco do tamanho dum palmo dos meus.
E aponta com a bota.
Olho.
Meço.
Cinco vezes o meu palminho.
Umas sacholadas na terra negra de estrume.
- Chega. Abre este saco de plástico.
Daniel Sant'Iago
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
o meu pinheiro manso - I
"christmas" de paul gauguin
Domingo.
De Março.
Meio do dia.
Chega da missa com as costas da mão direita
alapada aos rins.
E um saco de plástico amarrotado, seguro pelas asas.
Bate as botas no tapete da entrada.
Salta-lhe o pó e um grito:
- Malditas cruzes!
(que cruzes, avô, que cruzes?)
- Aqui… não nas vês?
Não.
Mas hoje sei.
Porque as sinto embora ainda as não veja.
Cruzes, canhoto!
Após o almoço de sopa, pega pelas asas o tal saco.
De plástico.
Ainda e todo amarrotado.
A sachola c(r)avada no ombro.
E sai:
- Já te chamo.
sábado, 15 de dezembro de 2007
o presente mole do inácio
Recorte de jornal amarelecido.
Notícia crua publicada em...
Não sei quando!
Não sei onde!
(Tão importante assim?)
"No Hospital de Belfast, Irlanda do Norte,
uma criança de 12 anos,Carol Kelly, morreu,
na passada terça-feira, devido às lesões de
balas de plástico..."
Não me interessa o lugar...
(Porque não aqui?)
Não me interessa a data...
(Porque não ontem?)
Não me interessa o nome...
(Porque não Carolina?)
Não me interessa o plástico...
(Como se balas de plástico não matassem!)
Tudo isto porque um menino me atirou,
meio a sorrir,
que aquele brinquedo empunhado...
não matava...
não era a sério...
só plástico a fingir...
não disparava...
não eram tiros...
só barulho...
não comprara ele...
não chegavam as moedas do mealheiro...
Foi há 25 anos?
Ainda bem...
(Hoje já ninguém escarra assim!)
Sou demagogo?
Ainda bem...
(Sou o único que vegeta por aí!)
Deixem-me rir à gargalhada!
Bom Natal, Inácio!
Que no sapatinho da chaminé
o teu "Pai Natal"
ou
o teu "Menino Jesus"
deixem, embrulhados em papel de jornal,
sonhos com sabores, aguarelas de cores,
verdazuis como o mar e o céu e a flor!
Se te derem uma arma
de plástico,
com gatilhos e balas
de plástico,
devolve-lhes em saco
de plástico,
com um presente mole
e de plástico.
Sujas as mãos mas vais rir à gargalhada!
Daniel Sant'Iago
quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
natal negro
sexta-feira, 7 de dezembro de 2007
são teus frutos
"nuda veritas" de gustav klimt
a amêndoa é semente
amara a que traguei
lançada à terra seca
apodrece e renasce a
árvore de flor clara
minha moura encantada
meus doces de amêndoa
meus olhos amendoados
na forma e na cor
raiados de avelãs
amarga
a amêndoa
que traguei
doces
os pinhões
que trinquei
duras
as nozes
que tenteei
Daniel Sant'Iago
terça-feira, 4 de dezembro de 2007
praga
quando fizeres de mim um pedinte
contentar-me-ei com dez migalhas
quando me negares essas migalhas
do pedinte nascerá um sem abrigo
faminto de trapos e da boca quente
do jazigo dum metro sobre farrapos
encobertos por desperdícios porcos
de óleo que pedinchei numa oficina
de motores esfregados com petróleo
não me impeças a sorte nem a faca
com que mate a fome ou morra frio
não quero mais que dez migalhas
para os vinte dias que faltam
para as prendas do meu e teu
Feliz Natal!
Daniel Sant'Iago
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