sexta-feira, 30 de março de 2007

da sede

*

cede à sede e bebe

o que mata
não é ceder
não é beber
mas a sede

de lábios
em greta

bebi

sou
assassino da
sede
gota em esponja encharcada

Daniel Sant'Iago


* "25-year-old woman with
finger in a glass of wine"
de silvestre machado (brasil)

quarta-feira, 28 de março de 2007

ar_risco_s


"sem título"
de emerenciano


traço
uma linha contínua sob o indicador

ponte
entre dois pontos do teu corpo

esboço
de um romance por escrever


fragmentos
de sargaços na areia

riscos
dos roços sobre os ossos

poços a beber


Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 26 de março de 2007

sou verbo subentendido



eu sol________ tu eira de aveia
eu álcool_____ tu veia de sereia
eu anzol______ tu teia de colmeia

eu mar________ tu nua e areia
eu pilar______ tu rua e aldeia
eu algar______ tu falua e candeia

eu língua_____ tu paladar e geleia
eu gazua______ tu olhar e ameia
eu grua_______ tu vagar e ceia

eu correia____ tu trégua e queixume
eu cheia______ tu frágua e lume
eu meia_______ tu charrua e gume

somos
eu e tu
tuta-e-meia


Daniel Sant'Iago

sábado, 24 de março de 2007

para um dia
de muito vento


*
vens do vale
vendaval
ventania de emoções
...
e
uiva
meu amor

*
"wind blown"
jennifer matla


(Este texto encontra-se publicado...

... no meu livro)

sexta-feira, 23 de março de 2007

num plano (muito) alto


huambo - angola

Os lugares e os momentos e as pessoas
marcam-me quando me seduzem e me amarram.

O Plan(o)alto, onde nasceu este blogue,
inicia, hoje, o terceiro ano de vida.

A O'sanji, sua criadora, os meus parabéns!

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 21 de março de 2007

Li


"romeu sem julieta"
diana costa


O nome.
Li.
Chinesa.


- Beba!
Bebi.

Sorriu.
Sorri.

Chá de jasmim.
Numa chávena.

Deu-ma com duas mãos.
Com duas mãos a colhi.

Serena.
Meiga.
Traços de amêndoa no olhar.

Li.
Um poema.

Às seis da tarde.
De certo 21 de Março.

Daniel Sant'Iago

terça-feira, 20 de março de 2007

só mais um zé


"the camel" de pablo picasso

José, escritor, afirmava, em entrevista, que
trocava o prémio que lhe conferiram os sábios da Academia por mais quinze anos
de vida, esperançado
de o ganhar durante esse espaço de tempo.

Confirmava que, todos os dias,
por inveja, o chamavam arrogante.

Sobre António, outro escritor seu contemporâneo, não gostava de o ler. Porque não. Que não gostava da sua escrita.
"Pronto!"

Não era rico apesar do tal prémio que lhe fora oferecido.
Mas que também não era pobre.

Remediado, digo eu!

lavei o olhar
entre o azul
do mar e do céu
entre o chumbo das nuvens e das águas
entre os borrifos das ondas de sete metros
esmagadas contra os rochedos e as falésias
ontem seriam três
da tarde no cabo carvoeiro

emporcalhara o olhar e a pele dos meus dedos
com tanta tralha que lera naquela entrevista
da página dois do semanário sol de dezoito
de novembro de dois mil e seis sábado

numa entrevista imprevista

Daniel Sant'Iago

domingo, 18 de março de 2007

convite


amicizia

decide
onde e quando

sussurrarei

como e quanto

gritaremos
...


(Este texto encontra-se publicado...

... no meu livro)

sexta-feira, 16 de março de 2007

relatividade


"dois nus" de lasar segall

despido do acessório
sobrou-lhe o essencial

uns sobejos de restos
nus

sem cinto
as calças ruíram
nuns pés descalços
retalhados pelos vidros

acessórios essenciais

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 14 de março de 2007

O segredo de Joe Gould *



Esfrega as mãos. Encardidas. Negras.
Nós grossos.
Repetidamente.
Lixa que lixa a pele bem seca. Gretada.
Feliz. O frio glacial.
Saíra-lhe a Taluda! De Natal!

Uma chávena de leite a escaldar.
Dois atados. Cartão grosso.
Uma semana de The New York Post.
Sorte Grande de um sem-abrigo!

"Era a maior autoridade dos Estados Unidos
da América em matéria de viver sem nada."
E escrevia a História Oral!

vida vivida


Daniel Sant'Iago

* Mitchell, Joseph. Edições D. Quixote.

segunda-feira, 12 de março de 2007

fragmentos sem nexo


"desintegrações" de antónio ole


entre nós e nus

o caminho é tão curto

calamo-nos à força
de não nos entenderem

o silêncio
podendo ser isso tudo
será sobretudo
um modo de ser

o silêncio
adormece nos lábios

sei do silêncio
as palavras inúteis

- fico, cada dia, mais apaixonada por ti...
- não vale ficar mais do que eu...
- empatamos ou ganhamos os dois...
- ganhamos sempre...
- está frio e chuva lá fora..
- cá dentro... não!
- aqui... também! O vento...

E essas tuas mãos!

Daniel Sant'Iago

sábado, 10 de março de 2007

alarriba, arrais!


"nudo di ragazza" de egon schiele

lanço a rede ao luar
Ala! Arriba!
...
vagas
dunas de águas
...
algas
nuas de azuis
...
laço teus dedos em nós
escultor de pedra dura
...
escoro
escorro
...

Força, arrais!

(Este texto encontra-se publicado...

... no meu livro)

sexta-feira, 9 de março de 2007

a minha última página
da tal carta ridícula


josé rodrigues
in "o amoroso" de josé viale moutinho

Nas Caldas, a mando da rainha, o oleiro
moldou os pés de barro da estatueta de
cristal da Marinha.

Corpo ginasticado e viril.
Herói cobarde nas feições.
Mártir em nome de ninguém.
Rei sem reino nem cortejo.

Santo Homemacho,
pronto para pôr no altar,
homem feito deus de prateleira
coberta de pó já negro do caruncho.

Segue, ainda hoje, 9 de Março de 2007,
em correio registado com aviso de recepção,
junto com esta carta ridícula e do cheque
em branco devidamente assinado.
Porque penso que não o quererias nem dado.

Daniel Sant'Iago

quinta-feira, 8 de março de 2007

virar de página da tal carta ridícula


josé rodrigues
in "o amoroso" de josé viale moutinho

Escrevo-te a oito de Março de 2007.
Quinta-feira.

No teu Dia Internacional.
As minhas mais
inconsequentes condolências
por ainda
exigires este dia e exclusivamente
teu.
Sem mim.

Que insensatez a minha de insinuar que
poderiam
instituir o Dia Internacional
do Homemacho ou o
Dia Internacional do
Ser Humano...

Para quê?

Senhores gajos como eu não merecem que
sejam
recordados num único dia porque
têm os restantes
para ser uns escroques
e uns sabujos e uns bandalhos
da pior
espécie!


E não me venhas com essa de que eu sou
especial e diferente... que
estou do mesmo
lado da barricada... que luto ao teu lado
para...
que... Se assim eu fosse... se eu
pertencesse apenas a uma
minoria... para
que precisarias tu de um Dia sem mim?


Conheci noutras paragens Paek Bo-Bae,
uma norte-coreana que escolheu abraçar
a escravatura para sobreviver à morte
pela fome.
Vive vendida a um homem chinês.
Não teve alternativa. Resistiu aos
16 graus
negativos das águas fronteiriças do rio Yalu.
Ou seria do
Tunien? Interessa-te o nome do rio?
Desconhecerá se o pai e se o
companheiro e se
os rapazes da sua aldeia - todos homemachos -
ainda vagueiam por lá.


Hoje... vira-se mais uma página.
Para o ano, há outro Dia. 8.
E outro 8... outro 8... outro...
Até quando e sem mim?

Afinal, não era bem isto o que seria correcto
eu escrever.
Teria sido bem mais bonitinho
não ter perdido o meu tempo a desabafar esta
coisa ridícula e mal_dita! E gastá-lo a comprar
uma porcaria qualquer que te fizesse esquecer
que és uma privilegiada!

Não tens um Dia só para ti?

Bom proveito!

daniel

PS: Esquece o que leste! Não desistas!
Afinal, hoje, fui tão só o lado plebeu
do teu príncipe encantado que ansiosa
buscas... já coroado.

Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 7 de março de 2007

a minha última carta ridícula


josé rodrigues
in "o amoroso" de josé viale moutinho

Esta é a minha última carta ridícula.
Pelo tempo que disponho, levar-me-á três dias
a escrever. Antes, durante e no dayafter de oito
de Março de 2007. Comemoram o Dia Internacional
da
Mulher. Um dia. Supranacional. Só teu.

Feliz por se lembrarem de ti?

Não me recordes que há necessidade de tempos fortes
para que o óbvio seja trombeta.

Ontem, à noite, antes de me deitar, retirei da jarrinha de vidro o botão de rosa vermelho, pétalas em cálice de sépalas verdes, e uma espiga de trigo branco e cru.
Comprei-tos quando saímos do Vasco da Gama a caminho do parque A2. Não era dia de nada embora desejássemos uma noite de tudo.

Beijaste-me um obrigada.

Corridas umas semanas, a flor entrigada mantinha-se
vestida de vermelho mais desbotado. Do verde e do
branco e cru nem sinal de desmaios.

O meu acto de amor fora de plástico made in china.

Vou enterrar o ramo de duas peças na areia da
jarrinha de vidro depois de lhe ter limpo o pó.

Entre pétalas, o vermelho vivo recordou-me
aquele dia de nada. De há tanto tempo...

Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 5 de março de 2007

memento's


josé rodrigues
in "o amoroso" de josé viale moutinho

Sexta, 2 de Março. 19:30.
Um telefonema:
- Importa-se de...?
Desandei escadas abaixo.
Esperava-a sentada na sala.
Teimava em estar de pé.
- Prefiro...
No banco de urgências do hospital,
rostos salgados, lívidos de ansiedade.
Tremia-lhe o corpo abraçado por mim.

Momentos antes, as orelhas do meu sofá
verde-azeitona acreditavam no que lhes
segredava:
- Amanhã vou estar com ela...

Jantei pelas 21:30.
Dos dois acidentes sobraram pés e pernas
e costelas partidas e carros desfeitos.

Por mais que me tente convencer que hoje
pode ser o último dia... sonho contigo...
amanhã.

Daniel Sant'Iago

sábado, 3 de março de 2007

o meu sofá de orelhas


in "Die grosse Reise des Nikolaus"
Marlies Klein

o meu sofá de orelhas veste-se do verde azeitona
de elvas

o meu sofá de orelhas serve-me para descanso
dolente não se vestisse ele dum verde azeitona
de elvas

o meu sofá de orelhas escuta-me enquanto descanso
porque tem orelhas e revestidas dum verde azeitona
de elvas

no meu sofá de orelhas descanso e escuto-me
enquanto roo os caroços das azeitonas verdes
de elvas

Daniel Sant'Iago

quinta-feira, 1 de março de 2007

o meu cão


"dog on the beach" de jo crowther

ou leão ou turco ou só cão ou
porque não

ou serra ou castro laboreiro ou
só rafeiro

mas cão

busca busca busca
dá cá ao dono dá cá

suados
das correrias
mergulharemos na água fria

um osso com raspas para ti
para mim um naco de pão saloio
com torresmos

ao diabo o colesterol e a diabetes

só quero que sejas o meu prozac_ão!

na praia do verão
no sótão do inverno

mas cão
meu

Daniel Sant'Iago