


Não resisti!
Abri meia-porta da minha janela-saca-
da. Pelo constante rodopiar da cabeça,
percebia-se que a senhora gorda e bai-
xinha desconhecia para onde fugira a
criancinha e donde regressaria.
O fresco da manhã inundou-me as narinas.
E apercebi-me que deixara de haver drama.
A dita estendia o braço acima da cabeça e,
com a palma da mão virada para baixo, agi-
tava-o freneticamente no sentido vertical,
uivando ainda um anda-cá-anda-cá-anda-cá.
Segui o gesto com o olhar. Ao fundo da rua
do café do Senhor Mário, numa curva do em-
pedrado do passeio, ainda húmido do borriço
daquela manhã, derrapava um ser que de cri-
ancinha nada tinha.
Uma cadelinha!
A tão gritada Maria Aliiiiiiiice... era uma
cadela. Vestia sobre o cinzento tronco tos-
quiado um colete vermelho com mangas à cava.
Na ponta da cauda e nas quatro patas farfa-
lhudos pompons de pêlo. Orelhas hirtas e ma-
gra que nem caniço.
E entre palavrinhas e latidos de carinho,
aconchegou-se no colo da dona.
E entre lábios e beiços trocaram-se lambi-
delas e beijos salivados.
Marchou o que restava do bolo de arroz.
Guardado estava o bocado...
Uma mútua paixão correspondida.
À "maria alice" cabia o papel de prozac
matinal da senhora baixa e gordinha.
Cerrei a meia-porta da janela-sacada.
Corri as cortinas.
Descalcei os chinelos de quarto e
regressei à cama já fria.
Daniel Sant'Iago