
"missing you"
franz heigl
vivas as saudades pois se matam
vis as saudades que nos matam
Morte violenta às saudades!
Desembainha o punhal.
Saliva-lhe a ponta.
Desnuda-te lenta.
Trespassa-te de lado a lado
pela carne viva
repetida
sôfrega
gemida.
Mortas as saudades, resta a languidez
do desfalecimento lento, lento e lento.
Sentiremos a paz
na morte violenta
das saudades!Daniel Sant'Iago
"the little thinghs" de april harrisonAceitei montar o cavalo do poder.
Mas, dada a falta de arte de montar toda a sela,
convincentes foram a queda e o empurrão do dorso
pelado do animal.
E, num ápice, passei de cavaleiro inseguro
a suja ferradura calcada.
agora sei que o meu poder tem a dimensão
dum grão de areia do deserto
e o peso dum leve ar num vendaval desfeito
e o fado do primeiro passo em longa caminhada
o meu poder é pequena coisa
um ar que lhe deu
uma agulha em palheiro
um bafo na aragem
um quase nada
o meu poder é
descalçar a ferradura
envenenar o ar da aragem
não dar o primeiro passo
e
a pequena coisa
quase nada
será
agulha na engrenagem
Daniel Sant'Iago
"blind feeling" de diana ong
Como posso aspirar à eternidade
se é constante a mudança?
Como ser num mundo de teres?
Como ser sem te ter?
Como negar a verdade
se não sei mentir?
Como não devorar-te
se tenho fome?
Como ocupar-te
se me pre_ocupas?
Como contemplar-te
se me cegaste?
Daniel Sant'Iago
"lips" de andy warhol
O desejo estalou num receio sofrido
e cego, pleno de justificações moralistas.
Instável,complicada e subtil despertaste,
de súbito, numa cena de ciúmes entre razões.
Não discuto as causas justas.
Chamo-te invejosa porque ciumenta.
Ciumenta, receias que alguém deseje
e se aposse dum bem que crês só teu.
Invejosa, desejas intensamente um bem
possuído por outro.
Sentimentos distintos, a inveja e o ciúme.
Mas um mesmo caminho de sentido inverso.
O ciúme é nome abstracto e masculino.
A inveja é nome abstracto e feminino.
Não há ciúme e inveja.
Há ciumentos e invejosos.
Daniel Sant'Iago
"shimmering madness" sandy skolung
... quando pela ternura da manhã
murmuras no segredo dum sussurro
que loucura
não foi noite
foi a água que se afogou
Daniel Sant'Iago
"how many times can we say goodbye?"
de raymond leechmeço o futuro do teu sempre
e
peço o limite no meu tempo
meço o futuro do teu nunca
e
peço o limite no meu tempo
Para sempre!
Nunca mais!
Até quando?
como o encontro de paralelas
o limite mora no infinito
Daniel Sant'Iago
eugenio recuenco
a sede do infinito na planície
gretou-me os lábios e secou-me a boca
o trilhar guloso dos carreiros entre sobreiros
fatigou-me o corpo
dá-me meio púcaro de barro de vinho branco
dá-me regaço e berço embalado
no pulsar do teu sangue
no palpitar do teu peito
e
se eu adormecer
acorda-me com as amoras
de um beijo
e
de um segredo
Daniel Sant'Iago
Estudo sobre "campo de papoilas" de
Alice Rabaça Gaspar Fernandes Vaz
O além tejo de ontem envolvia-se
numa manta forrada a searas
verdes
de tufos de papoilas em recantos
vermelhos
de cantos em descante dolente.
Cravo dente em carne dada,
em cantinho exclusivo,
sedutora nódoa negra,
um encanto de desnudado encantamento
num quarto acamado para poente.
Um além tejo de verões idos
num canto moreno chorado
desafio em montes de fogo.
um além tejo
de tróia às serranias do sulde encanto de posses
de epopeias de sonetos
de quadras saloias
Atravesso a ponte
sobre o Rio Tejo,
rumo a monte deserto,
numa ponte do calendário.
Vem, meu bem, vem também,afecto e trajecto sob azul!
Daniel Sant'Iago
"chocolat noir" de sandra knuyto amargo sabor do doce
tece-se
de insatisfação e lábios
o doce sabor do amargo
urde-se
de vinganças e bílis
Daniel Sant'Iago
"less is more, more or less" de hal mayforth
Num passeio ao acaso... um encontro inesperado.
De soslaio... um olhar mais.
mais ou menos
Percebi que me sentiste.
Senti mais mas muito mais.
Menos dúvidas mais certezas.
menos e mais
No entanto, fugimos um do outro.
ainda mais
Sofremos muito mais.
Tudo.
demais
Porque não preferimos o menos?
Daniel Sant'Iago
"la vendange" de ernest rancouletNa vinha herdada de meu avô, na encosta virada a sul,
desfolhei parras à cepa e desbaguei cachos de engaços,
esmaguei bagos em vinho, sumo e óleo de grainhas.
Difícil foi o passo seguinte, a caminho de silêncios.
de fora para bem dentro
bem fundo
íntimo em corpalma
abandonando cepas nuas
da infinidade de bagos para a infinidade de mim
Da vinha vazia, infindo lugar exterior,
para vazia consciência de um interior sem limite.
indo de oásis em oásis
indo de vazio em vazio
por areias de desertos
a caminho de infinitos
E, neste mítico progresso, sinto regressos vários.
Incapaz de ser humano vivente naquela infinidade de desertos.
Valem os esforços diários ao clarificar caminhos de interioridade.
vindimei-me
por amar quem
Daniel Sant'Iago