segunda-feira, 29 de outubro de 2007

... e se violenta fosse a morte das saudades?


"missing you"
franz heigl


vivas as saudades pois se matam
vis as saudades que nos matam

Morte violenta às saudades!

Desembainha o punhal.
Saliva-lhe a ponta.
Desnuda-te lenta.
Trespassa-te de lado a lado
pela carne viva

repetida
sôfrega
gemida.

Mortas as saudades, resta a languidez
do desfalecimento lento, lento e lento.

Sentiremos a paz
na morte violenta
das saudades!


Daniel Sant'Iago

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

... e se o meu poder fosse...


"the little thinghs" de april harrison

Aceitei montar o cavalo do poder.

Mas, dada a falta de arte de montar toda a sela,
convincentes
foram a queda e o empurrão do dorso
pelado do animal.


E, num ápice, passei de cavaleiro inseguro
a suja ferradura calcada.


agora sei que o meu poder tem a dimensão
dum grão de areia do deserto

e o peso dum leve ar num vendaval desfeito
e o fado do primeiro passo em
longa caminhada

o meu poder é pequena coisa
um ar que lhe deu
uma agulha em palheiro
um bafo na aragem
um quase nada

o meu poder é
descalçar a ferradura

envenenar o ar da aragem
não dar o primeiro passo

e
a pequena coisa
quase nada
será

agulha na engrenagem

Daniel Sant'Iago

terça-feira, 23 de outubro de 2007

frases cegas


"blind feeling" de diana ong


Como posso aspirar à eternidade

se é constante a mudança?

Como ser num mundo de teres?
Como ser sem te ter?

Como negar a verdade
se não sei mentir?

Como não devorar-te
se tenho fome?

Como ocupar-te
se me pre_ocupas?


Como contemplar-te

se me cegaste?

Daniel Sant'Iago

domingo, 21 de outubro de 2007

verso_ in_verso


"lips" de andy warhol

O desejo estalou num receio sofrido
e cego, pleno
de justificações moralistas.

Instável,complicada e subtil despertaste,
de súbito, numa cena
de ciúmes entre razões.

Não discuto as causas justas.
Chamo-te invejosa porque ciumenta.

Ciumenta, receias que alguém deseje
e se aposse
dum bem que crês só teu.

Invejosa, desejas intensamente um bem
possuído por outro.


Sentimentos distintos, a inveja e o ciúme.
Mas um mesmo caminho de sentido inverso.

O ciúme é nome abstracto e masculino.
A inveja é nome abstracto e feminino.
Não há ciúme e inveja.
Há ciumentos e invejosos.

Daniel Sant'Iago

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

que loucura!


"shimmering madness" sandy skolung

... quando pela ternura da manhã

murmuras no segredo dum sussurro

que loucura

não foi noite
foi a água que se afogou

Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

até quando


"how many times can we say goodbye?"
de raymond leech


meço o futuro do teu sempre
e
peço o limite no meu tempo


meço o futuro do teu nunca
e
peço o limite no meu tempo

Para sempre!
Nunca mais!

Até quando?

como o encontro de paralelas
o limite mora no infinito

Daniel Sant'Iago

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

para além da planície


eugenio recuenco

a sede do infinito na planície
gretou-me os lábios e secou-me a boca

o trilhar guloso dos carreiros entre sobreiros
fatigou-me o corpo

dá-me meio púcaro de barro de vinho branco
dá-me regaço e berço embalado
no pulsar do teu sangue
no palpitar do teu peito

e
se eu adormecer

acorda-me com as amoras
de um beijo
e
de um segredo


Daniel Sant'Iago

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

além do tejo


Estudo sobre "campo de papoilas" de
Alice Rabaça Gaspar Fernandes Vaz


O além tejo de ontem envolvia-se
numa manta forrada a searas
verde
s
de tufos de papoilas em recantos
vermelhos
de cantos em descante dolente.

Cravo dente em carne dada,
em cantinho exclusivo,
sedutora nódoa negra,
um encanto de desnudado encantamento
num quarto acamado para poente.


Um além tejo de verões idos
num canto moreno
chorado
desafio
em montes de fogo.

um além tejo

de tróia às serranias do sul

de encanto de posses
de epopeias de sonetos
de quadras saloias

Atravesso a ponte
sobre o Rio Tejo,
rumo a monte deserto,
numa ponte do calendário.

Vem, meu bem, vem também,

afecto e trajecto sob azul!

Daniel Sant'Iago

domingo, 7 de outubro de 2007

chocolate negro com 96% de cacau


"chocolat noir" de sandra knuyt

o amargo sabor do doce
tece-se
de insatisfação e lábios


o doce sabor do amargo
urde-se
de vinganças e bílis


Daniel Sant'Iago

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

menos é mais... mais ou menos!


"less is more, more or less" de hal mayforth

Num passeio ao acaso
... um encontro inesperado.
De soslaio... um olhar mais.


mais ou menos


Percebi que me sentiste.
Senti mais mas muito mais.

Menos dúvidas mais certezas.

menos e mais


No entanto, fugimos um do outro.

ainda mais

Sofremos
muito mais.
Tudo.

demais


Porque não preferimos o menos?

Daniel Sant'Iago

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

vindima


"la vendange" de ernest rancoulet

Na vinha herdada de meu avô, na encosta virada a sul,
desfolhei parras à cepa e desbaguei cachos de engaços,
esmaguei bagos em vinho, sumo e óleo de grainhas.

Difícil foi o passo seguinte, a caminho de silêncios.

de fora para bem dentro
bem fundo
íntimo em corpalma
abandonando cepas nuas
da infinidade de bagos para a infinidade de mim

Da vinha vazia, infindo lugar exterior,
para vazia consciência de um interior sem limite.

indo de oásis em oásis
indo de vazio em vazio
por areias de desertos
a caminho de infinitos

E, neste mítico progresso, sinto regressos vários.
Incapaz de ser humano vivente naquela infinidade de desertos.

Valem os esforços diários ao clarificar caminhos de interioridade.

vindimei-me
por amar quem

Daniel Sant'Iago