sábado, 30 de setembro de 2006

... o poder da palavra em TPC para fim-de-semana...

"Relaxing on the veranda", de Shui Mei


Transcrevo, "ipsis verbis"...

[Tire um tempo para relaxar e recuperar a energia.
Já experimentou a "resposta relaxante"?

Esta técnica consiste na repetição de uma palavra, som ou frase enquanto está sentada com os olhos fechados.
A repetição permite-lhe alhear-se de outros pensamentos.
Experimente durante 10-20 minutos por dia num ambiente tranquilo e sem distracções.

Cereal Partners - Nestlé & General Mills]"


Em que consiste a técnica?
Repetir!

O quê?
Som ou palavras!

Como e quando?
Sentada com os olhos fechados!

Quanto?
10 a 20 minutos por dia!

Onde?
Ambiente tranquilo e sem distracções!

Será que se relaxa e se recupera a energia?
Aceitam-se descrições das respostas relaxantes... ou não!


daniel

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

entre cais


"venus and sailor", salvador dalí

cais a oriente
o comboio num cais de chegada
num oriente de nascentes

dois beijos de dúvidas com tremuras nos lábios
de ir mais além e esperar

pelos degraus até ao carro
para viagem por infinitos da foz do estuário ao mar
não recordo um único som
surdo não amputado


cais a ocidente
a traineira num cais de partida
num ocidente de acasos

ocaso de todas as dúvidas
num jantar de linguado de pescaria fértil
a prazo

daniel

terça-feira, 26 de setembro de 2006

me


redrainbow, beatriz matar

aceita que ofereço
tateia que careço

queima que arrefeço

aguarda
retarda
guarda

resguarda
me

daniel

sábado, 23 de setembro de 2006

um "bacio" ou a inaptidão para comprar presentes...

"O Beijo", de Di Cavalcanti

blogonovela às postas
posta quinta


Deixa...
... que te confesse que adoro o italiano!
É sonoro!
É cantabile!
É idioma!
Tem aroma a pizza!
Sabe a ópera!

Deixa...
... que fique bem claro!
Um "bacio" italiano não é... um beijo!
O "bacio" é bombom... chocolate!
Entreabrem-se os lábios e o bem_bom desliza, húmido, entre a língua e o céu-da-boca.
Desfaz-se!
Esgueira-se pela garganta!
Sumiu.

Era...
Foi um bombom, de nome "bacio", italiano, um só, embrulhado em papel prateado...
... com um laço no nó...

Dominó!
Palhaço!

Deixa...
... que te beije.
Um beijo em português.
Foneticamente surdo...labial e dento-palatal.
Vem embrulhado com um nada de tudo...

É brasa quando, doce, nos alaga os lábios e a boca...
É sal quando se demora no sulco duma lágrima evaporada...
É fome quando, leve e breve, resvala na pele.

Deixa...
... que este beijo tão bom... te aqueça.
... que o milagre aconteça.
... que a minha falta de jeito para comprar presentes te faça esboçar um sorriso aberto.
... que se soltem gargalhadas sem siso.
... que se renovem os estreitos carreiros dos afectos.

(fim da blogonovela - posta última )

daniel

sexta-feira, 22 de setembro de 2006

um "bacio" ou a inaptidão para comprar presentes...


blogonovela às postas
posta quarta

- Quanto devo?
Paguei.
E recebi de troco:
- Era só um "bacio" que queria?

Era... Bastava-me um só! Desde que tivesse um laço prateado no nó...

E saí porta fora, feliz como um garoto armado em petiz...
O presente na mão, pendurado, seguro pela ponta da fita, entre o polegar e o indicador.
Que coisa! Saberia italiano a empregada do balcão?

[És louco, meu velho, pataroco de todo!
Foi tão só a tua apregoada falta de jeito para comprar presentes!
Foi tão só a tua apregoada falta de jeito para entender sorrisos!
Já sabia... O tal parvo-de-serviço!]

(fim da penúltima posta)

daniel

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

um "bacio" ou a inaptidão para comprar presentes...

foto de Lauranne, "Le monstre au miroir"
blogonovela às postas
posta terceira

A empregada do balcão pousou-me o bombom entre os cotovelos...

- É um presente... Embrulhe-mo em papel de festa, com um nó no laço prateado. Por favor...
Fixou-me nervosa. Visivelmente perturbada. E repeti, primeiro, para dentro e, em seguida, para ela, sem sombra de qualquer culpa...
- É um presente! Embrulhe-mo em papel de... por favor!
Que estranho! Que dificuldade em embrulhar-me o presente: sobrava o papel de festa prateado... o laço não dava o nó...
Mas será tão difícil assim dar o nó? Passar o laço?
É só fita! Prateada...

[Assustaste a pequena, meu monstro! Sem querer... mas assustaste!]

Olhei-me ao espelho da prateleira dos bombons... Não tinha mudado nada! Era exactamente o mesmo da manhã, no espelho da minha casa-de-banho! Tal e qual! Sem tirar nem pôr! Eu!
Onde estava o monstro, afinal?

[Pediste um "bacio"...
Pediste um "bacio"-por-favor...
Pediste um "bacio"-por-favor-embrulhado-em-papel-prateado...
Pediste um "bacio"-por-favor-embrulhado-em-papel-
prateado-com-laço-no-nó...]


(fim da terceira posta)

daniel

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

um "bacio" ou a inaptidão para comprar presentes...


blogonovela às postas
posta segunda

Renovei o pedido, armado em parvo.
E, dedo em riste, apontei
(Não se aponta que é feio...) a prateleira espelhada por detrás da empregada donde me convidavam os bombons "bacios" (Assim, à portuguesa, porque este blogue não brinca com italianas e palavras...).

- Um bombom "bacio", se faz favor!
- Só um?
- Sim, só um!

[Nem sorriso nem ar de cumplicidade... Adivinhei-lhe um rosto frustrado. Ou seria da minha miopia?]

Pegou num bombom "bacio". Pousou-o entre os meus cotovelos, sobre o vidro gordo do balcão.

(fim da segunda posta)

daniel

terça-feira, 19 de setembro de 2006

um "bacio" ou a inaptidão para comprar presentes...

blogonovela às postas
posta primeira

Deixa-te envolver nesta história de era-uma-vez...

Entrei, meio tímido meio decidido, na pastelaria.
Pousei os cotovelos pesados no vidro gordo do balcão. E aguardei, distraído, a minha vez.
- Que deseja?
- Um "bacio"!
A empregada esboçou um sorriso corado.

[Curioso... Teria eu, inadvertidamente, cometido uma palermice? Mas que foi que disse para provocar tal reacção? Ah, claro! Fui mesmo malcriado... Esqueci-me do "se-faz-favor"...]

- Um "bacio", por favor!
Pedi assim como quem se esquece sem querer.
Agora cúmplice, a empregada rasgou-se num sorriso vermelhudo...

[Desta vez... percebi! Então, meu velho? Cuidado... Foste abelhudo!]

E, renovei o pedido, armado em parvo...

(fim da primeira posta)

daniel

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

das marés

"Embrace", de Egon Schiele

preia-mar de águas-vivas em marés de espuma

mondam e ceifam com chicotes de caruma brava
que me harpeiam a pele em carne viva

baixa-mar de marés-vivas em águas
sobre rochedos do medo entre covos
de polvos que me rondam e tenteiam

numa maré-vermelha de algas e iodo

és maré-viva de setembro
numa atracção de sol com lua
que me arrasta contra a maré num cais
a que me acosto e amarro nuas
as cordas


daniel

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

dos cabelos compridos


"el gran masturbador" de salvador dali

... mas quando te namoro os cabelos compridos laçados
em rabo de cavalo e ergo encharcados dedos furiosos esguedelhados por poros de setembro suado
acontece
cegarem-me indiferenças e equilíbrios prudentes em alucinações de crinas a que me algemo nas quedas e cavalgo sobre ancas com pernas em arco para me esmagar no dorso
que escorre e percorro e corro a passo lento num trote a galope a galope sem freio nos dentes nem rédeas nos dedos que te domem sob força de animal selvagem miragem dum fogoso cavalo sem asas

acontece

que enlouqueço

daniel

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

do vinho


deborah richardson

sinto o vinho que me
embebeda em lavaredas que me
encharcam de instinto cego que não me
enxergo faminto de vinho tinto sede que me
forra a garganta ébria de seda e azedo que me
completa a mente de vinho tinto que me
embriaga de ques e mes
estou bêbado


daniel

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

com pedras


paula rego

das quatro pedras

na mão
uma
a primeira
foi jogada

numa atitude de pedra lascada
nem tu nem eu
éramos de pedra
para sermos alvo de tanta pedrada

pedra por pedra
de pedra e cal
sangrámos pedregulhos

e destruímos o templo
não restou pedra sobre pedra

daniel

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

mutilação em delírio


foto de christophe duret

pegar na régua e no estilete
recortar-te a pele ferida
em inúmeros centímetros quadrados
coloridos a cheio de vermelho quente e
sujo branco
como vários tabuleiros de xadrez
com patas de cavalos a galope em assaltos de cavaleiros
sobre obstáculos e valas de carne pisada por um desejo
voraz de reacender-te as chamas de incendiária
quando sondada no centro de cada quadrado desenhado
pelo estilete e pela régua

daniel

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

da vida


foto de alexandro bavario

que vício este de viver sempre a correr...


como se a vida crescesse se mais longa e veloz a correria...

como se a medida da vida se medisse aos metros e aos minutos...
como se a medida da minha vida não fosse o outro e tu sobre_tudo...
como se a medida da vida morresse na infinidade do mundo...
como se a medida se tornasse uma corrida desmedida...
como se vida não fosse morte...
como se vida não fosse...
como se vida...
como se...
começasse a querer ser um passo com_passado
a querer ser uma voz com_passiva...
a querer só ser sem ter...
a ser só começo...
a ser só...
a ser...
o recomeço...

por que corro se morro em cada recomeço?

daniel