fazer das tuas mãos dois leitos impuros fazer dos teus dedos dez súbditos mouros fazer do teu peito douro um parapeito duro
miradouro perfeito
fazer das nossas bocas intróito de intuitos fazer das nossas línguas um hálito maduro
futuro seguro
fazer do meu silêncio um grito infinito fazer do meu querer um rito de mitos tesouro de ouro maldito proveito súbito de um delito suspeito como seria louco
sim um momento-memento tempo cristal de memória como se o tempo não fosse
numa refeição serpenteada por palavras numa entrada de ostras com molho de natas e limão iguaria temperada com sal e pimenta acabada de moerpara fazer crescer a água na boca e o gosto no olhar um tintoreserva de colares beijado entre os lábios numa sobremesa de maçã húmida vermelha de gotas polpa envolta em casca de espelho
para mim o prazer de molhar os dedos e morder o sabor para ti o prazer de cerrar o olhar e soprar o aroma
o mesmo caminho de quatro sentidos divididos por dois num fruto único um chá de jasmim e um cigarro
as palavras essas serpenteiam-nos ainda Daniel Sant'Iago
Brincámos com o fogo e uma faúlha na seara foi fogo posto. Em trigo roxo.
Acha a acha, atiçámos um fogo brando, lento, médio, alto e vivo.
Chamas rubras entre negras labaredas.
Clamas aos gritos... Tocas a rebate... Fogueiro, fogo!
Presos entre dois fogos, o teu e o meu, tu e eu.
Apagar ou deixar morrer? Fogo de vista? Fogo de artifício ou preso? Cortinas de fumo?
Uma prova de fogo cruzado, a ferro e fogo. Ou lanço mais achas ou apago! Deixar morrer? Nunca!
Fumarolas são fogo... Sinto-te fogo, lava e vulcão. Mas, se tens pavor, sopra, atiça e deixa assar as achas todas. Serão cinzas do trigo roxo. Desse nosso fogo posto.
"desnudo in la playa" de fortuny marsal (museu do prado)
quem da praia escolhe o rochedo nu e esquece a água fria quem da praia escolhe o calor do sol e esquece a areia fina quem da praia escolhe o corpo e esquece olhares traquinas
tem do mar o rumor das ondas em maré vazia a brisa leve sobre a pele macia a garantia eterna dum segredo
numa relação de contrastes da tua carne clara e macia sobre um rochedo escuro e duro corpo de luz mornasobre um negro quente Daniel Sant'Iago